quarta-feira, 11 de abril de 2012

Contos de um velho sem luz - Cap. III



















Capítulo III


Terceira Refeição

Joseph aguardou Flávia chegar. A porta explodira com a violência e impaciência.

- Mal humor detectado. Sinalização verde para uma boa surra. – Riu André.


Joseph estremeceu. Porque estava com a chave ali e se Flávia a encontrasse? Não poderia sair daquele quarto e ver o que havia lá fora. Fingiu que estava dormindo. Flávia não queria saber de seu estado de consciência e simplesmente avançou contra o fingidor que recebeu em seu corpo inúmeros golpes no abdômen até perder o fôlego e desmaiar.


Um buraco no meio de algum cenário acima misterioso. Luz fortemente amarela tentava entrar pelo chão quebrado. Algumas colunas naturais ao longe podiam ser vistas, estalactites e estalagmites. Até a cintura Joseph estava dentro d’água e os pés afundavam lentamente na lama. Grãos de poeira voando. A espada esta fincada na água assim como Joseph. O monstro de papel de papel retorcido ao lado da espada e de costas para o velho. Uma mão estava no cabo da espada e a outra com dedos disformes ia de encontro ao local que possivelmente há um coração penetrando a casca e deixando o sangue escorrer junto a um gutural doloroso. O som da maldita vitrola ressoando de dentro do velho e uma dor agônica sendo respirada para dentro de seus pulmões o sufocando...


Primeira refeição

O som da porta de madeira abrindo interrompeu a visão de Joseph. Flávia trazia a primeira refeição do dia sendo jogada com rancor nas paredes úmidas e explodindo m farelos.

- Os seus biscoitos se multiplicaram, porém diminuíram de tamanho. – Gargalhou André.

- Cale-se!!! – Berrou Flávia.

- Até você? – Indignou-se André.

As botas do velho que deitado estava no colchão empoeirado comprimiam os pés com o calor. A comida batera na parede e o suco desta vez não viera. Mesmo com os olhos concentrados no nada teve a certeza de que a chave não estava abaixo de seu corpo. Teve vontade de chorar. Será que Flávia pegara o objeto? Querendo negar esta possibilidade procurou desesperadamente pela chave no quarto. Não encontrando aguardou a chegada do Músico para entrar na sala secreta.

- Quanto frenesi! É apenas uma possibilidade de sair daqui por um determinado tempo.

- Eu sei. – A voz fraca do velho Joseph, a muito não escutada.
Silêncio.

- Não sabia que você ainda tinha uma língua. Está bem animado hoje ou deveria dizer curioso?

O músico tocara o corpo de Joseph. Ao entrar na sala secreta começou a procurar a chave. Jogava objetos de lado sem os dar qualquer importância até encontrar a chave de brilho azulado. Em ato de amor abraçou a chave. Chave e coração batiam em um mesmo ritmo.

- Chave não “batem”. – Enganou-se André. – Então me explique. – André esperou uma explicação que já estava na sua frente. – Agora sim eu falo: André se cala por estar sem paciência. – E assim André o fez para todo sempre. – Está abusando demais hoje, está se empolgando com Joseph? – em resposta a narrativa continuou. – Quem é este narrador?


Joseph sentia que em todo objeto havia algo de vivo: um enigmático pulso de vida. Pediu desculpas aos outros objetos menos importantes que foram jogados.

Os dias são medidos por três refeições, independente do tempo que começava a ter importância para Joseph. André era o que fazia o controle do tempo, mas não dos dias incontáveis já deixados para trás. Foi de encontro a porta e pela primeira vez tocou nela com a ambição de passá-la. Não havia maçaneta, havia apenas uma fechadura no peito da madeira. Enfiou a chave e sentiu ser fisgado o próprio coração por anzol não invisível. Ah! Joseph, pequeno peixe nadando em aquário sem conhecer a imensidão do mar. Abra logo esta porta e se afogue em dúvidas de uma vez por todas. Girou a chave para o lado errado e se ouviu um barulho seco e certa resistência impedindo o completo ciclo de movimento. Para o outro lado foi possível deslizar com perfeição as matérias em atrito. Joseph fugiu de sua prisão e consigo levava a chave.

Iniciou a exploração do desconhecido abrindo os braços para sentir a distância das paredes: era um corredor um pouco maior que seus braços erguidos horizontalmente. As mãos foram de encontro ao teto e não o encontraram. Pulou e não encontro mesmo assim. Flávia era maior que ele? Provavelmente.

A harmonia do lugar era quebrada pelo som dos passos inseguros e incertos que não acompanhavam o som distante, porém perceptível, do gotejar: Gota; Silêncio; Silêncio; Gota; Silêncio; Silêncio; Gota... A escuridão aprofunda o espaço que ainda não faz parte da memória. Curiosidade e temor são linhas que quase se unem em alguns seres. O que há de existir no próximo passo? Abismo ou caminho? Até uma poça d’água poderia ser um buraco sem fim.
- Tente ignorar isto e siga em frente, está ficando interessante velhote.

Sentiu que não era a primeira vez que recebia aquelas palavras naquele tom ousado que recebia as palavras. Encorajou-se e caminhou com uma mão a raspar os musgos da parede. Tropeçou no primeiro degrau de uma escada. Subiu-a com cuidado. Havia uma curva a direita e depois mais uma até completar dez voltas. Um vento gélido soprou sua face e o velho levou as mãos até o rosto para se aquecer. Sentiu seu próprio tato. Mãos ásperas e calejadas. Não foi curioso antes para se tocar e se conhecer. Pensaria nisto depois, tentou se concentrar em sua tarefa árdua de desbravar aquele corredor. Tocando as paredes percebeu que o caminho se dividia: estava em uma encruzilhada. Por onde Flávia viria? Foi para o meio da encruzilhada e por um segundo se perdeu completamente. Esse às suas costas não fosse de onde tivera vindo? Qual era o caminho que havia percorrido até ali? Olhou para o chão e viu que três marcas em algarismo romano indicavam os três caminhos possíveis a se seguir: I esquerda, II frente ou III direita.

- Sinto cheiro de vaca.

O coração de Joseph acelerou e o medo tomou conta. Velho se tornando marionete que começara a ser guiada para o corredor III andando rapidamente, sem tocar as paredes, tudo se tornando desnortear. Tola marionete que não se rebela contra seu senhor manipulador: medo. Que caminho conhece este senhor senão o da perdição que junto a sedutora e maliciosa escuridão se alia? Parou apenas quando o medo o solto á mercê da sorte. Temeu o desconhecido e se lançou para o lado chocando o corpo na parede, pois sentir a parede era mais confortável que pisar no chão: vã ideia de estabilidade. Velho tolo. Deveria apenas ter calma e prestar atenção para saber de onde Flávia viria. Sorte não a ter encontrado. Joseph sentia um terremoto em ambas pernas que ameaçavam ruir.

- Você já foi mais forte Jo. - Suas lembranças vieram e uma moça de lábios finos e róseos eram a porta do questionamento direcionado a ele. Estava sentado com as pernas cruzadas, não conseguia ver o rosto dela. Estava de cabeça baixa e ela estava ajoelhada colocando um pano úmido na testa de Joseph. Observava seus seios, sua camisa negra com uma bela estampa amarela explodindo em girassóis e uma calça jeans manchada de tinta.

- Concordo. – Acrescentou André.

Apoiado na parede deixou o coração acalmar... Sentiu relevos com as pontas dos dedos. Passou a mão da esquerda para a direita e leu:

“... morrer novamente. Um fragmento a mais para ele.”

Este era o fim da mensagem. Correu os dedos até o começo  leu:

“Quanto mais caminho por estes corredores mais me perco
e mais salas encontro. Salas em cujo espaço sou estranho.
Ele continua a me perseguir e cada vez que me encontra eu
descubro o que é morrer novamente.Um fragmento a mais para ele.”

As palavras perturbaram e a mão escorregou pela parede desanimadamente por não compreender o que ali estava e encontrou algo mais escrito.

“Layla e Sophia, sinto a falta de vocês. Até quando irei me lembrar de vocês?

Assinado: Joseph, para que eu não me esqueça quem sou.”

Algumas memórias de Joseph começaram a se agrupar. Uma mulher às suas costas falava com desprezo e tristeza: - Você já foi mais forte Jo. Enquanto os olhos de Joseph estavam fixados em uma tela branca esperando a obra perfeita ser criada. Um anel teimava reluzir o entardecer alaranjado de um pequeno bando bem próximo a tela. O velho sentiu a mão deslizar novamente pela madeira.... Madeira? Sim, madeira! E não uma parede como havia pensado anteriormente.

- Uma valiosa lição Joseph: O que cega é o medo, não a escuridão. – Uma voz de tom grave se fez presente. – Entre, por favor.

Instintivamente, seduzido na verdade, levou a chave até a fechadura da porta com precisão única.

- Quem é você? – Perguntou André denunciando em seu tom de voz irritação e temor por certo desconhecimento de quem estava do outro lado da porta. – Como sabe que isto é uma porta? – Perguntou erguendo a voz, porém foi calado. – Não pode ser... Você é... – André não faz mais parte desta história até o capítulo V, pois Joseph abrira e entrara na sala.

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