Capítulo III
Terceira Refeição
Joseph
aguardou Flávia chegar. A porta explodira com a violência e impaciência.
- Mal
humor detectado. Sinalização verde para uma boa surra. – Riu André.
Joseph
estremeceu. Porque estava com a chave ali e se Flávia a encontrasse? Não
poderia sair daquele quarto e ver o que havia lá fora. Fingiu que estava
dormindo. Flávia não queria saber de seu estado de consciência e simplesmente
avançou contra o fingidor que recebeu em seu corpo inúmeros golpes no abdômen
até perder o fôlego e desmaiar.
Um
buraco no meio de algum cenário acima misterioso. Luz fortemente amarela
tentava entrar pelo chão quebrado. Algumas colunas naturais ao longe podiam ser
vistas, estalactites e estalagmites. Até a cintura Joseph estava dentro d’água
e os pés afundavam lentamente na lama. Grãos de poeira voando. A espada esta
fincada na água assim como Joseph. O monstro de papel de papel retorcido ao
lado da espada e de costas para o velho. Uma mão estava no cabo da espada e a
outra com dedos disformes ia de encontro ao local que possivelmente há um
coração penetrando a casca e deixando o sangue escorrer junto a um gutural
doloroso. O som da maldita vitrola ressoando de dentro do velho e uma dor
agônica sendo respirada para dentro de seus pulmões o sufocando...
Primeira
refeição
O som da
porta de madeira abrindo interrompeu a visão de Joseph. Flávia trazia a
primeira refeição do dia sendo jogada com rancor nas paredes úmidas e
explodindo m farelos.
- Os
seus biscoitos se multiplicaram, porém diminuíram de tamanho. – Gargalhou
André.
-
Cale-se!!! – Berrou Flávia.
- Até
você? – Indignou-se André.
As botas
do velho que deitado estava no colchão empoeirado comprimiam os pés com o
calor. A comida batera na parede e o suco desta vez não viera. Mesmo com os
olhos concentrados no nada teve a certeza de que a chave não estava abaixo de
seu corpo. Teve vontade de chorar. Será que Flávia pegara o objeto? Querendo
negar esta possibilidade procurou desesperadamente pela chave no quarto. Não
encontrando aguardou a chegada do Músico para entrar na sala secreta.
- Quanto
frenesi! É apenas uma possibilidade de sair daqui por um determinado tempo.
- Eu
sei. – A voz fraca do velho Joseph, a muito não escutada.
Silêncio.
- Não
sabia que você ainda tinha uma língua. Está bem animado hoje ou deveria dizer
curioso?
O músico
tocara o corpo de Joseph. Ao entrar na sala secreta começou a procurar a chave.
Jogava objetos de lado sem os dar qualquer importância até encontrar a chave de
brilho azulado. Em ato de amor abraçou a chave. Chave e coração batiam em um
mesmo ritmo.
- Chave
não “batem”. – Enganou-se André. – Então me explique. – André esperou uma
explicação que já estava na sua frente. – Agora sim eu falo: André se cala por
estar sem paciência. – E assim André o fez para todo sempre. – Está abusando
demais hoje, está se empolgando com Joseph? – em resposta a narrativa
continuou. – Quem é este narrador?
Joseph
sentia que em todo objeto havia algo de vivo: um enigmático pulso de vida.
Pediu desculpas aos outros objetos menos importantes que foram jogados.
Os dias
são medidos por três refeições, independente do tempo que começava a ter
importância para Joseph. André era o que fazia o controle do tempo, mas não dos
dias incontáveis já deixados para trás. Foi de encontro a porta e pela primeira
vez tocou nela com a ambição de passá-la. Não havia maçaneta, havia apenas uma
fechadura no peito da madeira. Enfiou a chave e sentiu ser fisgado o próprio
coração por anzol não invisível. Ah! Joseph, pequeno peixe nadando em aquário
sem conhecer a imensidão do mar. Abra logo esta porta e se afogue em dúvidas de
uma vez por todas. Girou a chave para o lado errado e se ouviu um barulho seco
e certa resistência impedindo o completo ciclo de movimento. Para o outro lado
foi possível deslizar com perfeição as matérias em atrito. Joseph fugiu de sua
prisão e consigo levava a chave.
Iniciou
a exploração do desconhecido abrindo os braços para sentir a distância das
paredes: era um corredor um pouco maior que seus braços erguidos
horizontalmente. As mãos foram de encontro ao teto e não o encontraram. Pulou e
não encontro mesmo assim. Flávia era maior que ele? Provavelmente.
A
harmonia do lugar era quebrada pelo som dos passos inseguros e incertos que não
acompanhavam o som distante, porém perceptível, do gotejar: Gota; Silêncio;
Silêncio; Gota; Silêncio; Silêncio; Gota... A escuridão aprofunda o espaço que
ainda não faz parte da memória. Curiosidade e temor são linhas que quase se
unem em alguns seres. O que há de existir no próximo passo? Abismo ou caminho?
Até uma poça d’água poderia ser um buraco sem fim.
- Tente
ignorar isto e siga em frente, está ficando interessante velhote.
Sentiu
que não era a primeira vez que recebia aquelas palavras naquele tom ousado que
recebia as palavras. Encorajou-se e caminhou com uma mão a raspar os musgos da
parede. Tropeçou no primeiro degrau de uma escada. Subiu-a com cuidado. Havia
uma curva a direita e depois mais uma até completar dez voltas. Um vento gélido
soprou sua face e o velho levou as mãos até o rosto para se aquecer. Sentiu seu
próprio tato. Mãos ásperas e calejadas. Não foi curioso antes para se tocar e
se conhecer. Pensaria nisto depois, tentou se concentrar em sua tarefa árdua de
desbravar aquele corredor. Tocando as paredes percebeu que o caminho se
dividia: estava em uma encruzilhada. Por onde Flávia viria? Foi para o meio da
encruzilhada e por um segundo se perdeu completamente. Esse às suas costas não
fosse de onde tivera vindo? Qual era o caminho que havia percorrido até ali?
Olhou para o chão e viu que três marcas em algarismo romano indicavam os três
caminhos possíveis a se seguir: I esquerda, II frente ou III direita.
- Sinto
cheiro de vaca.
O
coração de Joseph acelerou e o medo tomou conta. Velho se tornando marionete
que começara a ser guiada para o corredor III andando rapidamente, sem tocar as
paredes, tudo se tornando desnortear. Tola marionete que não se rebela contra
seu senhor manipulador: medo. Que caminho conhece este senhor senão o da
perdição que junto a sedutora e maliciosa escuridão se alia? Parou apenas quando
o medo o solto á mercê da sorte. Temeu o desconhecido e se lançou para o lado
chocando o corpo na parede, pois sentir a parede era mais confortável que pisar
no chão: vã ideia de estabilidade. Velho tolo. Deveria apenas ter calma e
prestar atenção para saber de onde Flávia viria. Sorte não a ter encontrado.
Joseph sentia um terremoto em ambas pernas que ameaçavam ruir.
- Você
já foi mais forte Jo. - Suas lembranças vieram e uma moça de lábios finos e
róseos eram a porta do questionamento direcionado a ele. Estava sentado com as
pernas cruzadas, não conseguia ver o rosto dela. Estava de cabeça baixa e ela
estava ajoelhada colocando um pano úmido na testa de Joseph. Observava seus
seios, sua camisa negra com uma bela estampa amarela explodindo em girassóis e
uma calça jeans manchada de tinta.
-
Concordo. – Acrescentou André.
Apoiado
na parede deixou o coração acalmar... Sentiu relevos com as pontas dos dedos. Passou
a mão da esquerda para a direita e leu:
“...
morrer novamente. Um fragmento a mais para ele.”
Este era
o fim da mensagem. Correu os dedos até o começo leu:
“Quanto mais caminho por estes
corredores mais me perco
e mais salas encontro. Salas em cujo espaço sou estranho.
Ele continua a me perseguir e cada vez que me encontra eu
descubro o que é morrer novamente.Um fragmento a mais para ele.”
e mais salas encontro. Salas em cujo espaço sou estranho.
Ele continua a me perseguir e cada vez que me encontra eu
descubro o que é morrer novamente.Um fragmento a mais para ele.”
As
palavras perturbaram e a mão escorregou pela parede desanimadamente por não
compreender o que ali estava e encontrou algo mais escrito.
“Layla e Sophia, sinto a falta de
vocês. Até quando irei me lembrar de vocês?
Assinado: Joseph, para que eu não
me esqueça quem sou.”
Algumas
memórias de Joseph começaram a se agrupar. Uma mulher às suas costas falava com
desprezo e tristeza: - Você já foi mais forte Jo. Enquanto os olhos de Joseph
estavam fixados em uma tela branca esperando a obra perfeita ser criada. Um
anel teimava reluzir o entardecer alaranjado de um pequeno bando bem próximo a
tela. O velho sentiu a mão deslizar novamente pela madeira.... Madeira? Sim,
madeira! E não uma parede como havia pensado anteriormente.
- Uma
valiosa lição Joseph: O que cega é o medo, não a escuridão. – Uma voz de tom
grave se fez presente. – Entre, por favor.
Instintivamente,
seduzido na verdade, levou a chave até a fechadura da porta com precisão única.
- Quem é
você? – Perguntou André denunciando em seu tom de voz irritação e temor por
certo desconhecimento de quem estava do outro lado da porta. – Como sabe que
isto é uma porta? – Perguntou erguendo a voz, porém foi calado. – Não pode
ser... Você é... – André não faz mais parte desta história até o capítulo V, pois
Joseph abrira e entrara na sala.
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