sexta-feira, 20 de maio de 2011

Voe, não pense, e sobreviva.


O Gavião estava parado na antena, observando lá de cima o que acontecia ao seu redor ou esperando por algo. Poderia ele estar ou tentando atrapalhar o sinal daquela antena, permanecendo sobre ela em uma silenciosa revolta contra o crescimento humano, ou simplesmente cuidando de seus afazeres do sobreviver. O que importa é que estava ali a observar não se sabe o que, na visão de um terceiro, mas ele sabia.
Os humanos se abrigam em suas casas para aproveitar os benefícios tecnológicos em um lazer passivo, e necessitavam daquele estranho engenho que os traz imagens de lugares tão distantes, enquanto perdem o que acontece ao redor de suas residências: a tentativa da natureza permanecer em meio ao moderno e ao evolutivo ser humano.
Parado e observando poderia estar pensando e comparando a liberdade que ambos tinham. Quem seria mais livre? O homem curtindo seu fim de semana em frente à televisão ou um pássaro buscando, possivelmente, algo para comer? Na visão de homens românticos, o pássaro seria mais livre por voar e ser intimamente ligado à natureza. Já o pássaro gostaria de se ver livre das caçadas e repousar em uma casa aconchegante tendo a certeza de que a comida não fugiria se ele a tentasse agarrar? A tecnologia, quase sinônimo de liberdade humana, poderia ser melhor que estar ligado à natureza?
Se o gavião estava a pensar em algo ou não o fato é que imediatamente teve de sair de seu momento observador passivo. Uma presa estava sendo perseguida por seu parceiro. O gavião levantou vôo e uniu forças com seu parceiro cercando a presa, um pequeno e ágil pássaro amarelo, em um círculo aéreo. Um ato em vão, pois o pequeno foi mais esperto e escapou facilmente por uma abertura. Para o pequeno mais um dia vivo. Para os caçadores: fome. Sobreviver é difícil.
Deve ter perdido a presa porque estava a pensar em algo. Pobre gavião, voe e não pense, deixe que os humanos se percam em pensamentos e atos. Apenas sobreviva neste momento.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Somente Afundando


O corpo afunda lentamente,
rumo ao profundo.
Livra-a, o desejo errante,
do peso do mundo.
Saudades de seu amor
que afundou e não voltou.
Doentio é seu ardor
que até a vida abdicou.
Agora lembra
daquele calor.
(Enquanto o perde.)
Havia esquecido
que a vida tem valor.
(Enquanto o perde.)
Arde em desespero
o ansioso pulmão.
(Desejo: ar.)
Mas em alívio está
o saudoso coração.
(Desejo: amar.)

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A felicidade em uma caixa


Se perguntava, sarcasticamente, todo dia ao acordar “Estou em casa?” para se lembrar de que certamente não estava. Era mais um hotel barato no centro de uma cidade qualquer. A cama não lhe era agradável, mas deu para dormir bem, o cheiro da poeira não lhe era familiar, mas deu para suportar bem,  a escova de dente era sua, ao menos isso e outras poucas coisas que trazia em sua mochila de viagem. O serviço de quarto lhe trazia a refeição que devorava com rapidez enquanto olhava na internet como chegar ao cliente para prestar o serviço intelectual, vender criatividade para aqueles que não a possuem ou tinham preguiça de usá-la. Mais parecia um serviço qualquer de vendedor.  Trabalhava para uma grande agência publicitária, e tinha como único objetivo vender seus produtos aos clientes ansiosos por novas possibilidades de atrair o público com idéias criativas que eram sinônimos de lucrativas.

E então durante o dia justificava aquela sensação estranha que escondia e sufocava pensando: “A vida não muda!”. Acordar em uma cama diferente, pegar um táxi, ver rostos diferentes, falar o mesmo, conseguir resultados diferentes, mas quase sempre esperados. A vida não era lá assim um grande mistério quando se é uma máquina capitalista.

O máximo que ficava em um local para se acostumar ao cheiro de poeira, a maciez de uma cama e quase possuir uma vida normal sem viagens desgastantes era três dias. Era até bom não ter um lugar para voltar, pois ele estaria totalmente empoeirado e se houvesse animais, morreriam de solidão antes mesmo de fome. E se tivesse mulher, certamente estaria com algum filho, não seu claro. E se tivesse amigos, teriam eles se esquecido dele após tanto tempo. Pois ele não gostava mesmo de manter contato com pessoas durante muito tempo. A empresa era sua vida. Ganhava dinheiro com suas vendas, mas quase nunca o usava para si, o deixava acumular no banco e o usava comprando coisas básicas para seu uso pessoal e alimentação.

O fato é que gostava da vida que tinha e não se sentia preso a nada nem ninguém. Mas algo tirava seu respirar normal o levando a saber que existia um ar preso dentro do pulmão. Este algo o obrigava a se sentir um passarinho preso em uma gaiola. Passarinho este que sempre soube o que é a liberdade e repentinamente se viu dentro de grades pego por de surpresa pela ingenuidade de voar e pousar despreocupadamente sem pensar que poderia perder aquilo que ele nem mesmo sabia que tinha, e era tão bom. Mas as noites sempre faziam o mesmo. Ficava deitado esperando o sono chegar. Acordava no outro dia e tudo era a mesma coisa com os clientes, isto quando não estava dentro de um ônibus ou avião viajando.

Decidiu dar uma volta. Pela primeira vez em anos pensava se deveria mudar a vida que tinha. Se fixar em algum lugar e ser feliz.

A palavra “feliz” lhe pesou a cabeça e os olhos foram lançados ao chão. A face se envergonhou. Seria ele feliz? Nunca tinha pensando nisto. Mas agora que pensava sua cabeça pesava terrivelmente.

Não estava muito longe de seu hotel. Na verdade nem tinha oferecido muitos passos aos seus pensamentos que chegaram a uma questão tensa logo de começo. Olhou para a rua. E os carros passavam vagarosamente em um trânsito pesado, e as buzinas imploravam por velocidade, impossível naquele momento. Olhou para o outro lado e estava em frente a uma padaria. Entrou nela, não soube porque exatamente. Foi até uma geladeira e pegou uma caixa de suco de dois litros. Foi ao caixa e pagou com o cartão de crédito, como o de costume

Então lhe veio uma idéia em mente. Decidiu fazer uma loucura. Pegou dois canudinhos. Rompeu o lacre e afundou os canudos de plástico até o fundo. Quebrou a regra primordial de que um suco de dois litros só poderia ser bebido após ser servido em um copo. Sugou com vontade o líquido e sentiu que sua felicidade era tão doce quanto aquele suco que descia ao estômago. Descobriu que a sua felicidade era quebrar a rotina com uma coisa simples. Neste dia caminhou pela rua de terno e gravata tomando o suco de uma caixa de dois litros em canudinhos com um olhar despreocupado.