quinta-feira, 29 de março de 2012

Sorrisos Amargos, Palavras Mudas

O sorriso que não existe mais em minha face...












Um coração perdido sempre olha para o futuro.















A folha caiu, pois o tempo a oxidara.



terça-feira, 27 de março de 2012

In a Station of the Metro

In a Station of the Metro
The apparition of these faces in the crowd ;
Petals on a wet, black bough.
Ezra Pound



sábado, 17 de março de 2012

Contos de um velho sem luz - Cap. I

















Capítulo I

Ossos estão espalhados por toda parte e um anel teima em reluzir na escuridão.

Um pedaço de papel se encontra no chão. A quietude branca de sua face exprime um desejo de libertar o indescritível e se torna a prisão de um corpo que se contorce e tenta sair dela. Mãos brancas de textura amassada se contorcem saindo do perfeito quadrado e se apóiam nas laterais do piso sem luz. Uma obra que não precisa de autor se agarra ao imaginário e isto é insano de tão belo. Alguma força é exercida pelas mãos que puxam o corpo de dentro do papel: aquele alvo mar oscilante e agônico. Uma face se opõe ao lado que não deveria transpor....


O som da porta de madeira abrindo interrompeu a visão de Joseph. Flávia trazia a primeira refeição do dia sendo jogada com rancor aos pés do velho que deitado estava no chão empoeirado. A comida batera em seus pés e mesmo com os olhos concentrados no nada teve a certeza de que o impacto recebido pertencia a um pão duro e o outro som líquido que se fizera presente próximo a porta era água, provavelmente.

Os dias são medidos por três refeições, independente do tempo que não tinha importância para Joseph. André era o que fazia o controle do tempo, mas não dos dias incontáveis já deixados para trás.

Era velho. Comia os restos. Não havia luz para ele e nem para seus pensamentos e muito menos para André, a voz que dialogava com Joseph, mas que nunca mostrava sua face, pois não havia luz, e nem lhe tocava, pois havia de certo algo de repugno no âmago de suas palavras, até mesmo as mais inocentes proferidas.

Pensamentos não são plantas que precisam de luz para crescer. É uma flor que independe de luz. Também não precisam de luz para terem cores. Mas precisam de luz para que estas cores não sejam esquecidas?



Joseph vive em um quarto pequeno,empoeirado, cuja mobília é: uma cama de colchão esburacada, um pequeno penico de cerâmica que é retirado na segunda refeição e retorna na terceira refeição pelas mãos de Flávia. Joseph geralmente não lembra de usar o penico é claro, pois na maioria das vezes se da conta de já estar todo cagado ou urinado para diversão de André que adora rir disto e de quando Flávia vem arrancar-lhe as calças após algum tempo de surra que varia de cabo de vassoura a tapas pesados e chutes, que pareciam coices de um animal de tão duros. Joseph gosta da risada de André: o diverte. Isto acaba o colocando em novos problemas, pois no meio de uma surra deixa escapar um pequeno riso que acompanha André e a surra aumenta. Geralmente quando sangrava Flávia diminuía aos poucos sua raiva. O sangue do velho era repulsivo.

Sinto que as palavras estão embolando assim como o pensar de Joseph se enrola a todo momento.

Após muito tempo observando fixamente o nada lembra-se do pão e do suco. Sim, suco! O cheiro de açúcar estava no ar contrastando o mofar das paredes de duras pedras. Flávia acordara de bom humor? Aquela vaca, como diz André.

- Quanto tempo ficará sentado aí velho? Esta encostado nesta parede há um bom tempo de cabeça baixa olhando o nada e me entediando. O pão bateu em suas botas que você não tira há dias. Na próxima certamente terá de tirar para que as calças saiam de seu corpo. Para que você veste isto mesmo? Ninguém te olha aqui além de mim. Para que pudor nesta escuridão? Pensando bem fique com esta calça, não te quero nu perto de mim. – Gargalhava André até perder o fôlego.

A porta de madeira é espessa demais. Nem uma fresta de luz passa por ela. Porque enfatizar isto no nada?

- Boa pergunta. – indagou André.

 Tossia o velho Joseph e a voz sumia por um momento.

Continuava a voz.

- Joseph, não tem curiosidade de saber o que tem além desta por... – André é calado.

 Algo se mexeu no nariz de Joseph. O que seria? Não era comum seus pensamentos estarem convergidos em um ponto. Os pensamentos divergentes é a característica principal de Joseph, o velho.

Tentou imaginar o que seria este pequeno ser em seu nariz...

Um som cortou o ambiente. E a carne fresca cortada reagiu instintivamente com Joseph levantando rapidamente temendo o que não deveria ser temido. Pulou em direção a cama à sua esquerda, no caminho pisou no pão que esfarelou.


O quarto sem luz tem algo diferente agora: Um som!

Novamente o som cortou o escuro e quase arrebentou os tímpanos de Joseph que há muito não ouvia nada além de André.

- Como assim nada além?! Eu já basto. – Tentou argumentar e continuou. - É um grilo Joseph. Um inseto. Será que você está sendo a entomologia dele?

Joseph se movimentou para retirar as pesadas, porém confortáveis, botas e o grilo pulou para um canto qualquer.

O grilo continuou a produzir o som, porém tinha um tom de eco.

Ao retirar as botas e colocá-las próximas a porta retornou com cuidado para não pisar no seu músico com a pequena jarra de cerâmica até sua cama. Sentou e dobrou as pernas. Estranho pensar que no escuro não se tem idéia de que se está em pé realmente de acordo com a gravidade. Talvez estivesse de cabeça para baixo o tempo todo e nem saberia dizer. Será que a gravidade tinha olhos? E se os olhos tivesse será que realmente observaria a tudo reinando com o impor da lei?

- Que maravilhoso! Você pensando? Algo novo para mim. Só falta falar ou escrever seus pensamentos para que alguém o julgue como personagem pensante. – Ironizou André. – Se alguém pudesse ler seus pensamentos o chamaria de desocupado.

Joseph deu uma risada quase inaudível.

A luz dá contorno. A escuridão a tira. Estava limitado as cores de sua memória, as quais não faziam sentido. Sempre fora velho e sempre estivera ali e aquele quarto sem ele seria apenas... Um quarto com vazio, dentro de um mundo sombrio.

O músico continuou a cantar de outro ponto do quarto o que intrigou Joseph. Havia um ecoar. Conhecia aquele quarto tão bem mas não lembrava desta profundidade que o quarto atingia com o cantar do músico, nome oferecido ao inseto.

- Porque não faz algo enquanto escuta esta bela canção velhote?

Claro que ele faria. Deixaria os pensamentos divergentes lhe enlouquecer. A imaginação é uma realidade que deixa ébrio qualquer ser.

O corpo se arqueou levando um dos braços até o chão e tocando os farelos do pão. Tateou procurando algo que pudesse distrair sua fome, um pedaço satisfatório. O estômago lhe devorava. A textura seca foi levado à boca. O suco de limão ingerido voluptuosamente. Não lembrava de o ter tirado as botas.



As botas próximas a porta começaram a brilhar, um verde vivo. Primeiro dos buracos que possuía na sola. Depois o brilho passou para a única saída principal da bota, não os furos e sim onde se coloca o pé mesmo. O ramo de uma planta capcioso em sua trajetória começou a sair de dentro de ambas as botas. Folhas começavam a se espalhar pelo chão sendo expulsas dos calçados e nasciam também nos frágeis caules. Tão fugidios. A planta ia contornando todo o quarto que parecia mais um cubo, porém do lado direito do quarto a planta se prolongou e a estranheza causada por isto fez Joseph sair de sua cama onde sentado fugia do gélido piso. O quarto não era um cubo naquele momento. Tudo era negro, exceto  as botas e a planta. Cores no meio do negro. Cores que aparecem na escuridão mas não iluminam nada além de sua própria existência. A planta tocou os pés do velho e a sensação de frio o abraçou ainda mais. O envolveu como gelo que se move até a carne querendo o calor extinguir. Frutos púrpuros e elípticos brotavam em alguns ramos. Os frutos pareciam ser apertados pela própria casca, o que realmente estava acontecendo. Ao estourar e deixar o liquido vermelho escorrer, explodir ou vazar as cascas se tornavam mãos de dedos variados em tamanho e números. As mãos se movimentavam fazendo movimentos ondulantes em comemoração. Os sangues caiam no chão e se erguiam como línguas que tentavam serpentear inutilmente para cima, porém não saiam do chão pois eram serpentes sem asas...



- Você se lembra Jo de quando éramos felizes? – Suas lembranças vieram e uma moça de lábios finos e róseos eram a porta do questionamento direcionado a ele. Estava sentado com as pernas cruzadas, não conseguia ver o rosto dela. Estava de cabeça baixa e ela estava ajoelhada colocando um pano úmido na testa de Joseph. Observava seus seios, sua camisa negra com uma bela estampa amarela explodindo em girassóis e uma calça jeans manchada de tinta.



Acordou com seu corpo sendo puxado para trás e sentindo suas calças serem retiradas.

- Deixarei você sem isto da próxima vez seu velho estúpido. – Flávia desta vez não deixou refeição e felizmente não o surrou.

- Velhas ameaças. Onde está nosso músico? – Perguntou André em um bocejar.

O músico começou a melodiar o ambiente novamente. Sua presença era algo importante. Mantinha vivo a lembrança de que o som se propagava nas cores e na ausência dela.

- Preto é uma cor! – Calou-se André. – Não me calei nada!


Joseph batera a cabeça no chão quando fora puxado pelas calças. O pouco tempo em que a porta ficara aberta possibilitou que entrasse no quarto o cheiro do mundo lá fora. Chovia. Terra ou pedra molhada?

- Como estará seu jardim e suas rosas?

Joseph estremeceu e André calou.


- Moço, você gosta de rosas?

Que voz de garotinha era aquela?

Sentou apressadamente e tateou algo macio. O chão estava úmido. Espalhado até o horizonte e além havia gelo triturado. Uma garota de saia preta, camisa amarela com uma semente preta desenhada nas costas; cabelos castanhos, curtos e ondulados; segurando um balão verde em forma de estrela; observava o céu. Seus pés fincavam o gelo...

- Não seria o contrário? – Indagava André.


E ela nem se importava com o frio. Nada poderia incomodar o contemplar feliz daquela menina que tinha como objeto de admiração a lua, gigantesca e desproporcional ao céu.

O gelo incomodava o corpo do velho que se levantou e sentiu nos pés o gelo penetrar-lhe a carne quente. VErmeLHO tinge o chão. E dele nasce no fôlego fulgor um trigo rubro que preenche tudo até além o horizonte inalcançável.

- A lua é bela não é?!

O vento balançava o rubro.

- Rubro trigo, trigo rubro. - A garota brincou com as palavras.

- A sua língua fora arrancada não é velhote? – André incitou.

Uma música jamais maquinada soava no ar produzido por uma vitrola acompanhando a orquestra do músico que entre os semelhantes era líder. Orquestra de assovios. A tranqüilidade ressoava até o ínfimo belo detalhe daquela realidade e no horizonte uma sombra de tinta negra e ossos cor de sangue se erguia: Colossal.

- Jo! – A garota chamava o velho com tamanha tranqüilidade que a certa ameaça era apenas um borrão no quadro. – Você tem de fugir. Pegue meu balão.

O velho sente o coração se comprimindo de agonia. Começa a arrastar seu corpo na direção da garota, está fraco. O sangue de seu corpo parecia tinta secando e endurecendo ao ar livre. Seu corpo não se movimentava há tempos e a vontade não superava as limitações da idade e da falta de exercícios. A garota estendia o braço oferecendo o balão cor esperança. Ao tentar encostar na garota esta se torna fumaça gélida e a corda do balão já estava amarrada em seu pulso. Sente o corpo ser erguido pelo balão. O chão se afasta lentamente. O coração bombeia o sangue e o medo. Um pulsar a cada três segundos. Quão agônico estava. Quão medroso se encontrava. Levou os joelhos de encontro ao queixo para se proteger do que não compreendia.

Luz!

Os olhos lacrimejam e por poucos segundos viu o quarto iluminado... Pela primeira vez tinha a noção de que aquele não era seu lugar.